O Pão que o Homem Amassou



Cai a lua, nua e crua

Sobre as ruas polvilhadas de gente

Que não vê o Outro em frente

Caminhando numa rua, apenas sua...



Caminha apressado um alto dignatário

Enquanto outro, pobre coitado

Muito pelo contrário

O aguarda, na espera de um trocado



- Uma moeda ou um pão...

Pede o velho enrugado

- Não tenho um tostão!

Responde o avarento resignado



- Um pão então...

Para que a minha fome esmoreça...

- Mas que rico pedinchão...

Quero mais é que desapareça!



- Que mal fiz ao pedir pão?

Não terá vossa senhoria bom coração?

- Não me desrespeites velho maltrapilho

Não sabes de quem sou filho!



- Filho é, e de gente boa

Veste bem e usa bom tacão

Mas não te uma mísera coroa

Para matar a fome a este irmão...



- Que lucro terei se em ti investir

Um cêntimo que me caiu do ar

Que me ajuda a bem vestir

E a ti não faz engordar?



- Nada tenho para retribuir

Nada tenho que lhe possa dar

Mas posso a Deus pedir

Para a vossa alma salvar...



Emudeceu-se com a resposta pura

Foi ao bolso e o trocado encontrou

Pensou "é pura loucura"

Mas a moeda lhe deixou



No bolso do velho a relíquia é guardada

Templo pobre da Salvação

Cai a chuva gelada

Tomba o velho no chão...



Corre o ricaço avarento

Tomando em braços o pedinte

- Meu filho, neste momento...

Não és mais um grande avarento

És tu o pedinte...



- Que me dizes velho louco

Não vês que a vida te vai?

- Aprende... um tostão é pouco

Mas graças a ele...

Hoje, por ti, pedirei a Deus pai...



Os olhos fecham-se cansados

Outros abrem-se futuramente

Deus guarda sempre os fragilizados

E a nós, corrige-nos, eternamente...





Alexandre Ramalhão


29-05-2010




"De novo vos digo: É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha que um rico entrar no Reino de Deus" (Mt 19, 24)